Por Juarez Arnaldo Fernandes
O Regulamento do Imposto de Renda [1], em seu artigo 7º [2], discorre sobre a possibilidade de haver a opção de declarar de forma conjunta ou separada os rendimentos do casal.
A permissão legal, se estende inclusive a provenientes de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, da atividade rural e das pensões de que tiverem gozo privativo.
Para tal, sempre importante fazer uma avaliação com os lançamentos dos rendimentos, bem como as deduções, preenchendo as duas formas na declaração do IRPF e apurando a melhor opção fiscal, ou seja, em separado ou em conjunto.
No que tange aos atos da Receita Federal, especificamente em relação aos casos em que consta valores de rendimento tributável de um dos cônjuges não declarados, é praticado pelo Fisco a Notificação de Lançamento ao cônjuge que efetuou a entrega da declaração de imposto de renda.
Primeira situação se tem, que a entrega da declaração de imposto de renda trata de obrigação acessória [3], e não deve ser atribuída ao declarante a responsabilidade tributária, pois este não tem qualquer relação com o fato gerador do imposto, portanto não deve ser considerado como sujeito passivo da obrigação tributária.
O Fisco Federal atribui corresponsabilidade ao cônjuge que efetuou a entrega do imposto de renda, com base no art. 124 do Código Tributário Nacional, por entender que há interesse comum com o fato gerador do imposto (Inciso I) e aquelas designadas por lei (Inciso II).
Importante fazer destaque ao ensinamento do jurista BARROS DE CARVALHO [4], sobre o interesse comum traz “a expressão empregada, além de vaga, não é roteiro seguro para a identificação do nexo que se estabelece entre os devedores da prestação tributaria. Bata refletirmos na hipótese do imposto que onera as transmissões imobiliárias. No Estado de São Paulo, a lei indica o comprador como o sujeito passivo do gravame. Entretanto, tanto ele quanto o vendedor estão diretamente ligados à efetivação do negócio, havendo indiscutível interesse comum. Numa operação relativa à circulação de mercadorias, ninguém afirmaria inexistir convergência de interesses, unindo comerciante e adquirente, para a concretização do fato, se bem que o sujeito passivo seja aquele primeiro. Nas prestações de serviços, gravadas pelo ISS, tanto o prestador quanto o tomador do serviço têm interesse comum no evento, e não por isso o sujeito passivo deixe de ser o prestador”. E continua o doutrinador afirmando que “aquilo que vemos repetir-se com frequência, em casos dessa natureza, é que o interesse comum dos participantes no acontecimento factual não representa dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstancias cogitou o legislador desse ele que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado pelo inciso I, do artigo 124, do Código Tributário Nacional. Vale, sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas, em posições diversas, não se instala a solidariedade. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, no ICMS, no ISS, entre outros”.
Neste mesmo pensamento ARAÚJO, CONRADO e VERGUEIRO [5], afirmam que “para que uma pessoa seja responsabilizada solidariamente com fundamento no art. 124, I, do CTN, ela precisa ser também contribuinte da mesma relação tributária, e isso somente se dá quando há a participação do sujeito na realização do ‘fato gerador’ porque a pessoa executou, por si mesma e, também, o critério material da regra matriz de incidência tributária”.
Assim, o interesse comum em que constitui fato gerador da obrigação tributária – sujeito passivo da obrigação, decorre de vínculo jurídico entre os devedores com o negócio jurídico que deu origem de suporte fático para incidência da norma tributária.
Em outros termos, a condição de devedor solidário, a ser aferida concretamente em razão de interesse comum, pressupõe que os sujeitos de direito alçados a tal condição sejam os mesmos que integraram a relação jurídica de direito privado que deu ensejo a incidência da norma tributária. Estamos, a falar, portanto, de interesse jurídico comum e não de mero interesse comum econômico. [6]
Para se tornar mais cristalino o caso em tela, importante descrever que “consiste o ‘fato jurídico’ no enunciado linguístico denotativo, protocolar, topicamente colocado no antecedente de norma individual e concreta, emitida num determinado momento do processo de positivação do direito. Relatado o evento por qualquer outra modalidade linguística, inapropriado falar-se em juridicidade do fato, não vindo ele a integrar a realidade do direito”. [7]
Para tanto, usufruir do rendimento não torna corresponsável tributário, pois o que se define corresponsabilidade, como já dito, é a situação comum que tem vínculo direto com o fato gerador, e no âmbito tributário somente a lei pode fazer surgir tal obrigação, não cabendo ao Fisco, por mera deliberação por ato administrativo, exigir qualquer obrigação tributária. Fruição comum não é o mesmo que interesse comum.
Necessário se faz aprofundar o que diz o professor CARRAZA [8], onde “a norma é composta de dois elementos: a saber: 1) a hipótese (ou antecedentes), que é a mera descrição de um fato; e, 2) o mandamento (ou consequente) que prevê a instauração de uma relação jurídica, sempre que ocorrer o fato apontado na hipótese. Como se vê, o mandamento traça o dever jurídico, cujo conteúdo – já o sabemos – é sempre um dar, um fazer, uma não fazer ou um suportar. Com tais ponderações, perfilhamos a teoria dos que admitem ser a norma jurídica um juízo (e, não, a algo que é)”.
Assim, o fato jurídico (fato gerador) não se vincula com o fato (entrega conjunta da declaração do imposto de renda), pois somente a lei assim poderia o fazer, e isto é o que determina o art. 146, III, “a” da Constituinte de 1988 [9], quando estipula que apenas a lei complementar pode instituir, alterar ou modificar qualquer elemento que compõe a obrigação tributária.
Ao falarmos em fato jurídico, no entanto, pressupomos que dessa factividade possa emanar uma consequência que seja juridicamente relevante, como a criação, a extinção, a ampliação ou a restrição de um direito qualquer [10].
A hermenêutica das regras e normas do Direito Tributário devem ser claras em suas finalidades de proteção patrimonial do contribuinte, com todas as garantias que trazem o sistema jurídico pátrio. De outra forma, remando contra estará toda interpretação que vier a onerar, sem qualquer fundamento legal, o patrimônio daquele que não teve qualquer vínculo com o fato gerador do imposto.
A obrigação acessória de entrega da declaração de imposto de renda é o ato de fazer o Fisco a tomar conhecimento do que ocorreu no respectivo ano calendário, inclusive no tocante ao fato gerador, o que não se aplica a este fato (entrega de obrigação acessória) o efeito de modificar ou dar vida a uma nova forma de responsabilidade de corresponsabilidade. Optar por fazer a entrega da declaração de imposto de renda de forma conjunta, não altera o sujeito passivo da obrigação, pois tal pratica fiscal não anula a individualidade dos cônjuges junto a legislação do imposto de renda, uma vez que, como já narrado, trata-se apenas de prestação de informação junto ao Órgão Federal de Fiscalização.
Portanto, para que haja interesse comum e a obrigação tributária vindo a haver a corresponsabilidade, no caso dos rendimentos dos cônjuges deverá haver a participação dos mesmos na produção deste rendimento, pois somente assim estará caracterizado o fato gerador do tributo, já que de outra forma caberá ao Fisco Federal notificar o cônjuge que não levou a tributação do rendimento que foi omitido na declaração apresentada em conjunto – obrigação acessória, e não àquele que praticou a entrega da declaração de imposto de renda em conjunto.
[1] Decreto nº. 9.580/2018, Publicado DOU em 23/11/2018
[2] Art. 7º Os cônjuges poderão optar pela tributação em conjunto de seus rendimentos, inclusive quando provenientes de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, da atividade rural e das pensões de que tiverem gozo privativo.
[3] As obrigações acessórias constituem, portanto, condutas comissivas ou omissivas exigíveis dos contribuintes no intuito de assegurar o cumprimento da obrigação principal. Compreendem, sempre, um “fazer” ou um “não fazer”, voltados às atividades de controle e arrecadação. (Regina Helena Costa. Curso de Direito Tributário, Saraiva, SP, 12ª. Edição. 2022, p. 211)
[4] BARROS CARVALHO, Paulo de. Direito Tributário Linguagem e Método. Ed. Noeses. 8ª. Edição. 2021. SP. pp. 681/682
[5] ARAÚJO, Juliana Furtado da Costa. CONRADO, Paulo César. VERGUEIRO, Camila Campos. Responsabilidade Tributária. SP. RT: 2018, p. 46
[6] RESP 884.845/SC. Relator Ministro Luiz Fux. 1ª. Turma. DJe 18/02/2009
[7] BARROS CARVALHO, Paulo de. Direito Tributário Linguagem e Método. Ed. Noeses. 8ª. Edição. 2021. SP. p. 515
[8] CARRAZA, Roque Antonio. O Regulamento no Direito Tributário Brasileiro. SP. RT, 1981, p. 51-2.
[9] Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
[10] André Cardoso Berçot. Hermenêutica Tributária à luz do Constructivismo Lógico-Semântico. Thoth Ed. PR. 2021, p. 75
Fonte: tributario.com.br