Por Juarez Arnaldo Fernandes
Hoje a legislação brasileira traz a obrigação tributária de pagar a COFINS e o FUNRURAL para as empresas do segmento do agronegócio.
Como se verifica, as duas contribuições têm o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo, sendo a COFINS instituída pela Lei Complementar nº. 70/91, em seu art. 2º, no sentido de que “incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”, já o FUNRURAL descrita na Lei 8.870/94, em seu artigo 25, I, incidirá sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da sua produção”.
Tais dispositivos legais se conflitam, pois a cobrança do FUNRURAL se encontra viciada pela inconstitucionalidade.
Primeiro, a inconstitucionalidade do artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91, que prevê a exigibilidade de contribuição social sobre a receita bruta, também tem origem no efeito do bis in idem, sem autorização constitucional, por sofrer esta mesma base de cálculo da incidência da Cofins instituída pela Lei Complementar nº 70/91.
A incidência de mais de um tributo sobre a mesma realidade fática deve ser constitucionalmente autorizada, mormente quando são da mesma espécie tributária, como a contribuição prevista no artigo 25, da Lei nº 8.212/91, e a Cofins, pois, sem que isto ocorra, o tributo que tiver sendo exigido além do validamente instituído será flagrantemente inconstitucional.
A autorização constitucional para a incidência de duas contribuições sobre a mesma base de cálculo é condição sine qua non para validade da tributação, tendo sido essa mesma tese utilizada pelas Mesas do Senado Federal e Câmara dos Deputados para obter no Supremo Tribunal Federal a declaração da constitucionalidade da Cofins na Ação Direta de Constitucionalidade nº 1-1-DF, ao demonstrarem a inexistência de irregularidade em face da exigibilidade da contribuição para o PIS, por existir permissão do texto maior para a instituição das duas contribuições sobre a mesma realidade fática.
Em segundo, o confronto com o artigo 195, § 4º, da Constituição Federal, pois mesmo que fosse possível considerar a contribuição instituída pelo artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91, como outra fonte destinada a garantir a seguridade social, por criar nova incidência sobre receita bruta da comercialização, persistiria a inconstitucionalidade desse dispositivo por ofensa ao dispositivo constitucional.
A inconstitucionalidade decorre do descumprimento das condições necessárias para a validade da instituição de nova fonte da seguridade social, pois, nos termos do referido artigo, interpretado conjuntamente com o artigo 154, inciso I, da Carta Maior, o qual se refere, apenas poderá ser criada quando estiverem presentes as seguintes condições:
I) instituída por lei complementar;
II) ser não-cumulativa e;
III) não ter fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição.
Nenhuma dessas condições está presente na referida legislação, pois além de ter sido o tributo instituído por legislação ordinária, possui um nítido efeito cumulativo por não ser permitida a compensação com o encargo suportado anteriormente, e possui como fato gerador e base de cálculo a receita já tributada pela Cofins.
Importante frisar que a Lei 10.256/01, embora publicada após a Emenda Constitucional n° 20/98, se torna insuficiente para legitimar a cobrança do Funrural, na medida que introduziu modificações ligadas ao sujeito passivo (arts. 22A e 25 da Lei 8.212/91; art. 25 da Lei 8.870/94) mantendo o fato gerador e base de cálculo estipulados anteriormente à Emenda Constitucional n° 20/1998. Portanto, a alteração superveniente do texto constitucional não teria o condão de dar suporte de validade à lei já atingida pela inconstitucionalidade.
Assim, o princípio da legalidade descrito no art. 97 do CTN estabeleceu os critérios de toda lei tributária: fato gerador, alíquota, base de cálculo, sujeito passivo e multa.
Destaca-se, que a Corte Suprema Constitucional, já debruçou sobre o tema, onde declarou no RE 363.852 [1] a inconstitucionalidade dos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei n° 8.212/91, que tiveram redação dada pelo art. 1º da Lei n° 8.540/92.
Neste julgamento, os Ministros compreenderam que a exação constitui-se de uma nova fonte de receita da seguridade social (anterior à EC 20/98), pelo que seria necessária a aprovação de lei complementar, em virtude do previsto no parágrafo 4º do art. 195 da Constituição da República.
Sendo assim, a pessoa jurídica com o segmento rural não deve recolher o FUNRURAL, conforme o exposto acima, por estar a sua obrigação de recolher com base nos Incisos I e II, e § 1º, do artigo 25, viciada pela inconstitucionalidade, devendo apenas vir a efetuar o recolhimento da COFINS sobre o faturamento.
[1] O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por subrrogação sobre a "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n° 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei n° 9.528/97, até que a legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional n° 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência. Plenário, 03.02.2010.
Fonte: tributario.com.br